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Influência cultural nas recuperações judiciais

Por Fernando Pompeu Luccas

Não é de hoje que se discute a eficiência das Recuperações Judiciais no Brasil. Muito se ouve sobre as disposições da lei, sobre a morosidade da justiça, sobre o papel do judiciário em uma lei de forte escopo econômico etc.

Porém, pouco se fala sobre um tema de suma importância, que traz reflexos diretos para os baixos índices de eficiência: a influência cultural das partes do processo.

Em relação aos empresários, a comparação com países de economia mais madura é inevitável: enquanto naqueles países, os empresários têm a cultura de planejar seus passos, investindo em conhecimentos administrativos e também recorrendo a profissionais especializados desde antes do início das atividades da empresa, no transcorrer regular e em momentos de crise; no Brasil, vê-se que o ritmo nesse sentido é mais lento.

É comum observarmos situações nas quais o empresário brasileiro entende que é ele que conhece seu negócio, e que ninguém mais pode saber melhor do que ele sobre a condução de sua atividade.

Não se discute a experiência no ramo; o que se discute é a capacidade, o profissionalismo e a competência para administração.

Tal perfil, por exemplo, traz reflexos diretos no índice de mortalidade das empresas. Observamos sempre notícias preocupantes a respeito dos indicadores de encerramentos de empresas com até cinco anos de vida.

No entanto, nem todo cenário é desfavorável. Nesse indicador específico, começa-se a ver melhora gradativa a cada ano, ainda que a passos lentos.

O desafio agora então é trazer esse cenário inicial favorável também para as recuperações de empresas.

Nesse sentido, o trabalho a ser desenvolvido é grande.

Em primeiro lugar, faz-se necessário aproveitar essa tendência inicial de melhora do cenário, reforçando cada vez mais a necessidade de conscientização do empresariado.

Em muitos casos, verifica-se que, se os empresários tivessem buscado auxílio no início da crise, suas chances de recuperação aumentariam exponencialmente.

Isso reforça a tese de que os índices baixos podem estar diretamente relacionados à cultura, pois após transpor certa “condição limite”, não há esforço, capacidade e conhecimento suficientes para alterar a situação de crise e promover a recuperação.

Porém, além da “lição de casa” de parte dos empresários (obviamente não se pode generalizar), é importante destacar que outros personagens do processo também têm de rever seu perfil.

Falando especificamente dos Operadores do Direito, vemos que também existem oportunidades de melhoria.

Do lado das empresas devedoras em crise (sofrendo execuções por conta disso), observa-se que muitas vezes os advogados contratados sugerem imediatamente opor embargos às execuções, por exemplo, mas não pensam em ir a fundo e verificar os motivos que levaram a empresa àquela crise e se existe outra solução para a questão – econômica, de mercado, ou propriamente jurídica, pelo caminho das recuperações.

Talvez isso ocorra pela falta de conhecimentos profundos sobre a Lei 11.101/05 (ainda uma realidade para parcela considerável dos advogados), somada à falta de noções multidisciplinares, como aspectos econômicos/contábeis/administrativos. Tal fato também reflete no atraso para escolha da medida correta, nos casos de recuperação judicial, o que pode ser crucial para o sucesso ou não da demanda.

Por outro lado, falando no patrocínio da causa pelo lado dos credores, também nos deparamos com boas oportunidades de mudança para o perfil dos causídicos, principalmente nos momentos de análise e discussão dos planos de recuperação.

Nesses momentos, cabe aos advogados dos credores entrarem a fundo nas questões legais e econômicas dos planos, fundamentando com consistência eventuais objeções, sob os dois prismas, procurando também trazer sugestões.

Agindo dessa forma, com essa postura mais efetiva, certamente ajudarão o juízo a identificar eventuais pontos ilegais e/ou sem evidente sentido básico econômico, bem como poderão auxiliar as próprias Recuperandas a rever seus planos ou pensar em outras soluções.

Verifica-se, portanto, que o esforço de todas as partes do processo pode melhorar significativamente os índices de sucesso das Recuperações Judiciais.

Tal entendimento nos mostra que nem sempre as primeiras impressões levam à melhor conclusão, como os que defendem profundas alterações na lei.

Claro que a Lei de Falências e Recuperações precisa passar por alguns ajustes pontuais. No entanto, numa análise geral, ela se mostra adequada, concluindo-se que a real necessidade não é de mudança legal significativa, mas sim de adequação cultural.

Com a evolução do perfil de parte do empresariado brasileiro, conscientizando-se da importância dos aspectos administrativos puros (que vão além do próprio desenvolvimento do negócio), fazendo com que se tenha maior controle da empresa e do time de se valer de eventual recuperação em momentos de crise; somada às mudanças de perfil dos operadores do processo, indubitavelmente os índices de eficiência das recuperações passarão a mostrar um cenário mais favorável.

Trânsito em julgado e a recuperação judicial

Por Filipe Marques Mangerona

Na vivência das Recuperações Judiciais, é comum depararmo-nos com planos que preveem o pagamento de créditos sujeitos ao concurso de credores em longo prazo; situações que, por vezes, assemelham-se a um financiamento imobiliário.

Alguns desses planos, além do extenso período de pagamento, regulam um intervalo de carência de meses ou anos, regrando a vida do cumprimento do plano em tempo ainda maior.
Além disso, observamos que alguns planos dispõem de cláusula que condiciona o início de seu cumprimento ao trânsito em julgado da decisão concessiva da recuperação judicial. A inserção de tal dispositivo no plano nos leva a uma reflexão maior, sob o prisma macroeconômico do negócio.

Em vigência desde 2005, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LRF) tem por objetivo principal a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores; é o que reza o artigo 47 da LRF.

Assim, a propositura da ação de recuperação judicial pelo devedor, pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente (art. 48, §1º) – que possuem a exclusiva legitimidade ativa – é uma declaração de que aquela sociedade empresária efetivamente deve na praça.

Isto posto, independentemente das condições de pagamento previstas no plano de recuperação judicial, o fato é que a dívida existe. Ademais, o ajuizamento da recuperação judicial sinaliza que o devedor quer pagar os seus credores; não necessariamente na forma que esses pretendem receber os seus créditos, mas há uma pretensão de extinção da obrigação pecuniária.

Desta forma, seguindo a linha de raciocínio de que (i) a dívida existe, que (ii) o devedor quer pagar e que (iii) os credores querem receber, não faz sentido condicionar o início do cumprimento do plano de recuperação judicial ao trânsito em julgado de sua concessão.

Vale lembrar que o processo de recuperação judicial detém por sua natureza a finalidade de proporcionar o equilíbrio econômico e social, de modo que os benefícios por ele gerados – manutenção da fonte de empregos, de circulação de serviços, de recolhimento de tributos etc. – devem ser acompanhados de uma conduta ética e responsável. Repudia-se aqui o tradicional “jeitinho brasileiro”.

Revestido de aparência supostamente legal, o dispositivo do plano que delimita o começo de sua adimplência ao trânsito em julgado da sentença homologatória, possui manifesto abuso e plena ilicitude em sua raiz, devendo ser coibido pelo judiciário. O art. 187 do Código Civil se amolda perfeitamente a essa corrente quando prevê que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes.”

Nessa ótica, a empresa que se declara devedora e que apresenta um projeto de pagamento, sob o crivo de que sua manutenção no mercado financeiro é econômica e socialmente viável, jamais pode estipular em seu plano que somente começará a cumpri-lo – e aqui se deve ressaltar que começar a cumprir, na maioria das vezes, não significa começar a pagar – após transitada em julgado a decisão concessiva de sua recuperação.

Alguns dos planos que contemplam essa ilegal previsão, também dispõem de cláusulas abusivas e que geram ônus excessivo aoscredores, de modo que esses tenham de se socorrer do duplo grau de jurisdição para o fim de extirpar tais previsões, prolongando, por conseguinte, o início do cumprimento do plano. Assim, caberá aos credores optar pelo aceite das cláusulas abusivas e recuperar seus créditos o mais breve possível ou recorrer ao tribunal para excluir a abusividade e prolongar o início dos pagamentos.

Desconsiderar a antijuridicidade de tal cláusula é um desprestígio ao ordenamento recuperacional e um estímulo a propagação da inadimplência. O instituto da recuperação judicial foi desenvolvido para que as empresas em dificuldade possam utilizar da ferramenta legal para se soerguer e quitar suas dívidas de forma mais objetiva possível, e não para que os empresários mal-intencionados se valham do mecanismo para se fomentar à custa de seus credores.

Não é demasiado lembrar que a teoria da distribuição equilibrada de ônus na recuperação judicial abriga a sistemática de que o plano de recuperação deve ser razoável e detentor de sentido econômico sem o qual se impossibilita o atingimento do benefício social, onde todos ganham.

O país se desenvolve com a doutrina e evolução de sua cultura, de sua responsabilidade e sobretudo de sua ética. Para que isso ocorra, a contribuição dos cientistas e operadores do direito pauta-se na tarefa de filosofar sobre a matéria e conduzir as demandas jurídicas da forma mais transparente e objetiva.

O papel do administrador na recuperação

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Por Fernando Pompeu Luccas

Não é novidade a extrema morosidade da justiça em nosso país. Uns imputam a culpa à falta de estrutura do judiciário, com número de serventuários e juízes muito inferior à demanda; outros, à imensa possibilidade de Recursos previstos; outros, ainda, dizem que a culpa é dos próprios operadores, que “travam” os processos de acordo com seus interesses.

De fato, as três hipóteses (dentre outras) devem ser consideradas, mas a maior vilã é realmente a falta de estrutura, que não atende a demanda.

Em se tratando dos processos de Recuperação Judicial, a realidade não é diferente; no entanto, a Lei 11.101 de 2005 possui características peculiares que a destaca das demais, tendo um facilitador para a celeridade do processo: a existência do que podemos chamar de duas “fases”, no tocante à verificação dos créditos – administrativa e judicial – iniciando-se a partir do processamento da demanda. E é aí que se destaca a importância de outro facilitador particular a essa norma, figura fundamental para o deslinde regular do processo: o Administrador Judicial (que não pode ser confundido com os administradores da empresa), tendo suas funções definidas, em sua maioria, pelo artigo 22 da lei.

Mais do que cumprir todas as funções determinadas na lei, o Administrador Judicial deve, na prática, zelar pelo transcorrer regular do processo, tendo em mente que sua atuação pode e deve facilitar muito a atuação do próprio judiciário na demanda.

Como exemplo, podemos citar questões como a comunicação aos credores e a verificação correta dos créditos.

Quanto à comunicação aos credores (que também ocorre via edital, porém com efetividade prática problemática), o Administrador Judicial estará atuando de acordo com a norma se enviar cartas aos credores, comunicando sobre a existência do processo e as características dos créditos. No entanto, o Administrador não deve se limitar apenas a isso, mas sim deve verificar efetivamente se essa comunicação teve êxito, valendo-se também, se for o caso, de outros meios complementares, como envio de emails, telefonemas, mensagens, internet, enfim, outros meios que garantam que os credores terão efetivamente ciência do processo.

Essa posição pró-ativa do Administrador faz com que o credor efetivamente tome conhecimento da ação logo de partida, evitando que, posteriormente, tenha que se valer de incidentes processuais para a defesa do seu crédito, dando mais trabalho ao juízo. O credor que já conhece de início o processo e como o seu crédito está lançado, pode já em “fase administrativa” discutir a questão, podendo ser resolvida desde logo pelo Administrador.

Apresenta-se aí outro ponto coligado: a prévia discussão acerca das classificações e valores dos créditos, feita no que chamamos de “fase administrativa”. Dá-se esse nome, pois, nesse primeiro momento, não há participação do juízo nessa discussão, cabendo ao Administrador Judicial a verificação da realidade dos créditos, tomando por base as informações da Recuperanda, comparadas às eventuais Divergências e Habilitações apresentadas pelos credores.

Nesse ponto, bem como em todos os demais, cabe ao Administrador Judicial atuar com total imparcialidade, tirando também suas próprias dúvidas que venham a surgir em relação aos créditos apresentados e discutidos, entrando em contato eventualmente com devedora e credores, visando saná-las ainda em “fase administrativa”.

Não deve ele lançar eventual crédito duvidoso em segundo edital para que a pendência se resolva em “fase judicial”, quando pode previamente resolver a questão; resolvendo a situação de antemão, evitará nova discussão em juízo, facilitando o deslinde da demanda, reduzindo o número de incidentes. Deve o Administrador Judicial “entregar” o trabalho de verificação de créditos da maneira mais organizada, mais “redonda” possível, para o juízo; claro, quando isso for efetivamente possível.

Tal atuação se mostra de suma importância, inclusive, considerando também que as Assembléias de Credores, quase que em sua maioria, ocorrem antes do julgamento das Impugnações/Habilitações da “fase judicial”, o que reflete diretamente na não realidade exata dos percentuais de cada crédito nas contagens de votos.

Existem outros vários exemplos de como a atuação do Administrador Judicial é fundamental para o regular desfecho da demanda, como auxílio do juízo na fiscalização do cumprimento dos prazos e obrigações das partes envolvidas, o levantamento completo de todas as informações pertinentes, a atuação como presidente da Assembléia de Credores, que é um dos mais importantes e cruciais momentos do processo, etc.

O fato é que o Administrador Judicial deve ter em mente que o seu trabalho deve se desenvolver da melhor maneira possível, e que esse desenvolvimento de excelência está intimamente ligado ao sucesso do transcurso da demanda.

Verifica-se atualmente, em ambientes de trabalho e acadêmicos, que um número crescente de Administradores Judiciais vem buscando total especialização e auto-estruturação, valendo-se também, cada vez mais, da tecnologia para desenvolvimento do trabalho em nível de excelência, como o uso de websites trazendo todas as informações do processo, a participação em cursos de especialização específicos para a área, o comparecimento em palestras sobre o tema, etc.

É isso que efetivamente se espera. Afinal, quando se trabalha com uma lei que dá essa oportunidade de se resolver questões pontuais previamente em “âmbito administrativo”, desonerando um pouco a sobrecarregada estrutura judicial, há que se aproveitar tal possibilidade, visando dar celeridade e melhor organização ao processo como um todo.